<i>Rock in Rio</i> sem Lisboa

Modesto Navarro
De dois em dois anos temos este drama. Propaganda das benesses que esta iniciativa estrangeirada nos dá, provincianismo quanto baste. Falam sempre de requalificação e reabilitação do Parque da Bela Vista, os defensores do acontecimento, e depois é este desastre anunciado e realizado, no fim de cada iniciativa. O Rock in Rio não tem interesse cultural, não é identitário, é apenas folclore turístico e um bom negócio para os promotores.
A Câmara prepara o espaço, limita o acesso através de uma vedação feia que por lá fica, garante as fontes de energia e pontos de água potável, fornece os serviços de limpeza, recolha e remoção dos resíduos sólidos urbanos. Isenta a organização do pagamento de todas as licenças camarárias e do pagamento de taxas de aluguer de equipamentos e materiais da CML. Apoia a divulgação e a promoção através de 150 mupis. Há mais matérias consignadas no protocolo, mas estas bastam para percebermos o enredo.
A empresa obriga-se a autorizar a Câmara (imagine-se a quê?) a utilizar a marca do evento… Pudera.
A contrapartida única relativa às edições de 2008 e 2010 é de 800 mil euros.
As três tranches deviam ter começado a ser pagas em 31 de Dezembro de 2007, mas não foram.
Entretanto, sem aprovação da proposta na Câmara e na Assembleia, a empresa tinha já publicitado o grande acontecimento. É o ovo garantido, que antes de ser já o era. E que ovo de Colombo, ou seja, de alguém que descobriu o caminho aéreo para Lisboa e já pela Ibéria vai ficando. O promotor até já vive em Madrid...
A contrapartida relativa à edição de 2008 será aplicada nomeadamente numa ponte de ligação entre a zona sul do Parque e bairro das Olaias.
Venha lá a pontezinha… Não é a de Chelas–Barreiro, nem Sacavém sei lá para onde, mas sempre dará jeito. Sobretudo, desde logo, à empresa, que ganhará dinheiro com a propaganda naquele espaço. O vereador José Sá Fernandes descobriu, desta feita, o caminho pedestre e ciclável para algum lado, mas vai informando que a ponte é coisa que não se vê lá muito bem para efeitos de propaganda.
Entretanto, a CML cede a eventuais terceiros patrocinadores a isenção de pagamento de qualquer taxa para a exposição da marca do ou dos patrocinadores no período necessário à amortização de todo o investimento, que é computado em 3 anos…

Milhões perdidos

Grão a grão, propaganda em propaganda, enche o papo quem descobriu esta coisa de fazer o mesmo no Rio de Janeiro, em Lisboa e em Madrid, num modelo que se repete e governará o promotor em qualquer lado pacóvio e de boca aberta perante o fenómeno.
Agora, atenção, as partes comprometem-se a não divulgar os termos do presente acordo, que são confidenciais mas já foram discutidos na Câmara e são conhecidos através da discussão na Assembleia Municipal.
Nem em 2004 e 2006, nem agora, em 2008, foram feitas estimativas sobre o valor das isenções e licenças. O presidente da Câmara disse, na reunião do Executivo, que a Câmara gastou, em 2004, um milhão e quinhentos mil euros e, em 2006, quinhentos mil euros. Dois milhões já perdidos, portanto, para além dos prejuízos notórios para o património, para o ambiente, para a população que o parque deve servir e que, ainda por cima, sofre a violência e o ruído imenso desses dias de romaria sem limites, provinciana e modernaça.
Entretanto, a Câmara compromete o Município, neste acordo, para 2010. É o que se chama pôr já dois ovos, só que um chegará mais tarde, perante outros pais adoptivos, os eleitos em 2009, que agora não têm culpas evidentes na chocadeira do negócio.
Valia a pena termos um relatório sobre o último acontecimento, em 2006. O que foram de facto os valores das isenções, a devassa do parque, os prejuízos para a cidade e para os moradores da zona oriental, e o que custou a reposição do que ficou atingido e a revitalização do parque.
Os benefícios da isenção da iniciativa em 2008 e 2010 transformam-se, desde logo, num painel de publicidade à entidade promotora e a pontezinha será uma passagem para outros negócios de publicidade e propaganda.
O protocolo está cheio de indefinições e de prejuízos evidentes. Tanto assim é que, perante as dúvidas e contradições expostas na discussão em Câmara, o presidente disse, a certa altura, que se sentiria confortável na mesma se a proposta não fosse aprovada…

Isenção de taxas

O vereador Sá Fernandes, enfim, lá foi defendendo a sua dama, a grande descoberta do caminho pedestre e ciclável para as Olaias, mas a confusão do discurso era imensa e vamos lá ver no que isto vai dar, se não ficamos a ver navios do parque para o rio das palavras e dos actos pouco consistentes.
A verdade é que precisaríamos de saber quanto custará esta nova edição ao município.
Não sabemos qual será o total da isenção de taxas e quanto vamos gastar este ano, se um milhão e meio, se meio milhão, se trezentos ou quatrocentos mil euros. O que sabemos é que a empresa promotora ganha sempre. Será uma certeza no nevoeiro do Rock in Rio e da pontezinha, que nós, como portugueses e sebastianistas, muito admiraremos do lado da ignorância e da admiração bacoca.
Pronto, lá vimos o PS abdicar da abstenção na votação que teve em 2006, e regressar ao entusiasmo e ao voto afirmativo de 2004, quando o acontecimento custou um milhão e meio de prejuízos à Câmara.
Quanto ao BE, que sempre foi «valente» a combater o evento e a votar contra na Assembleia Municipal, agora colocou-se ao lado da pontezinha, que é uma miragem miraculosa para todos os males, fazendo meia pirueta e abstendo-se, e votou favoravelmente na Câmara, de forma entusiástica, como é dever do vereador Sá Fernandes perante o poder alegre desta época de caça aos patos e às pontes, num ambiente que não é entusiástico, na Assembleia, nem na Câmara, nem na cidade, que fica boquiaberta, à espera de novas contradições e saltos da ponte para o abismo da incoerência.
Nós, por cá, estaremos bem com a consciência e com a firmeza política e votámos contra, como sempre, sem sofismas nem saltos no escuro e no nevoeiro de algo que é sempre um prejuízo de que nunca se farão bem as contas, depois de cada edição do Rock in Rio, que já não é do Rio, nem de Lisboa, nem de Madrid, é de toda a parte e de parte nenhuma, porque não tem alma, não tem identidade e desfaz-se no nevoeiro de um negócio sempre tão útil aos promotores como desnecessário para a cidade.
No fundo, no fundo, mais valeria a pena a Câmara pegar no dinheiro e nos prejuízos e transformar tudo isso, mais as energias dos trabalhadores do município, nas diversas áreas envolvidas, em iniciativas a realizar com as juntas de freguesia e com as colectividades de Lisboa, na animação dos espaços públicos, durante o tempo da primavera e do verão. Isso sim, seria trabalho cultural a sério, mas como dá muito trabalho e ajudaria as pessoas a viverem um pouco melhor e com alguma qualidade nesta cidade, mais vale resolver o caso de forma simples, ou seja, mais uma vez, dar cabo do Parque da Bela Vista e facilitar a vida a quem não é parvo. O ambiente e a cidade que paguem a conta e que tudo siga no melhor dos mundos pela pontezinha das promessas e propagandas a acenarem lá de longe.
É de referir ainda que as juntas de freguesia e as associações populares de Lisboa continuam com grandes dificuldades em obter isenções na utilização de materiais, espaços e equipamentos que, aí sim, se justificam.


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